VICISSITUDES NO PRONTO ATENDIMENTO PSICOLÓGICO

Por Tathiana S. U. Picciano, 2009.

“Escutamos mais quando não ouvimos tanto, quando não nos colocamos como pura exterioridade em relação ao que queremos escutar… Se todo ouvido, não é ser ouvidos para tudo. A verdadeira escuta é seletiva, se ela deixa de ouvir algo, é para ouvir melhor outra coisa, ou para poder ouvir até o silêncio.” (Roza G., Alfredo L. , “Palavra e Verdade na Filosofia e na Psicanálise”, 1990 )

A expressão “pronto atendimento” pode associar-se a ideia de um serviço, exercido por profissionais dispostos a oferecer ajuda e acolhimento a quaisquer pessoas que deles necessitem, em um único encontro. Porém, como acolher uma demanda emocional em um único atendimento psicológico? Quais as vicissitudes que podem emergir neste encontro analítico? É possível ter uma “escuta psicanalítica” em Pronto Atendimento Psicológico (P.A.P)? São algumas questões que pretendo refletir neste texto.
Diante do ponto de vista clínico, o pronto atendimento solicita uma sistematicidade e organização do serviço oferecido – como horários fixos, escalas de terapeutas e supervisores no plantão -, pois isso pode significar uma referência externa e/ou interna ao paciente. Entretanto, na perspectiva do paciente, a demanda emocional surge pelo desejo de um apoio psicológico, um “colapso mental” (Winnicott, 1994) ou uma crise, emergência ou urgência emocional. Neste caso, o profissional requer uma disponibilidade interna, cuidado e acolhimento “ao outro” para se defrontar com o não-planejado e com a possibilidade (nem um pouco remota) de que o encontro com o paciente seja único.
Por outro lado, como pensar em Psicanálise para atender e acolher essa demanda emocional? Para responder a esse questionamento, recorro às ideias de Simon (1999) ao citar que a Psicanálise “seria considerada a busca desinteressada da verdade sobre o sujeito”, uma ciência pura. Acrescentando a isso, Fiorini (1981) aponta que a Psicanálise seria uma escola obrigatória para todo propósito de aproximação terapêutica, pois possibilita a compreensão de conceitos básicos como: associação-livre, conflitos, motivação inconsciente, resistências, defesas, transferência, contratransferência entre outros, para a busca de uma investigação psíquica e também na obtenção do efeito terapêutico.
Sabemos, que Freud, nos ofereceu a matéria-prima do funcionamento psíquico do ser humano e, no entanto, a Ciências Humanas vem descobrindo como aplicá-la da melhor forma possível. E, ainda, entendo que a Psicanálise constitui-se como um instrumento teórico-técnico de trabalho, que pode ser utilizado e aplicado de várias formas (Psicoterapia Psicanalítica e Psicoterapia Breve de base Psicanalítica). De acordo com Fiorini (1981) a Psicanálise vem contribuindo, para a existência de outras novas técnicas. Embora ainda observa-se um déficit de pesquisas e intervenções breves no campo do atendimento psicológico.
Além do mais, segundo Freud (apud Laplanche e Pontalis, 1999), a Psicanálise é um método baseado fundamentalmente na livre associação do paciente, capaz de identificar o significado inconsciente que influencia as palavras, ações, atos, sonhos e fantasias do sujeito. Sendo, que é através da interpretação psicanalítica do sentido inconsciente contido na associação livre de ideias, que o sujeito tem acesso ao psiquismo recalcado que inúmeras vezes é o determinante de seus sonhos, atos, lapsos, desejos e fantasias. Para isso, Freud propôs, que o analista mantenha uma atenção uniformemente flutuante em relação à associação livre de ideias do analisando. Dessa maneira, o campo analítico permite que a transferência e a contratransferência, desempenhem um sentido inconsciente na relação paciente e terapeuta, em benefício da elaboração da neurose do paciente.
Suponho, que é a partir desses dois fenômenos de transferência e contratransferência, vivenciados na relação com o outro, que está o grande desafio de novas descobertas na prática clínica. Figueiredo (1995) menciona que é necessário “deixar que a prática seja um desafio à teoria e que a teoria deixe que irrompam problemas para a prática” (p.95) que, significa pensar nas distâncias e diferenças entre teoria e prática. A meu ver é deixar aflorar tais vicissitudes na prática, analisá-las, interpretá-las, investigá-las, enfim, não usar a teoria como um escudo, uma defesa que não possibilita o crescimento da técnica. É claro que também não é possível vivenciar a prática apenas subjetivamente, pois deste modo, estaríamos desqualificando o trabalho do psicólogo.
Por outro lado, destaco que mesmo tendo como respaldo e compreensão (teórico-técnico) da Psicanálise, o pronto atendimento psicológico não visa uma transformação na estrutura de personalidade, a “cura” e/ou a remoção dos sintomas do paciente. Isso porque o pronto atendimento não é uma substituição da psicoterapia e nem mesmo um criador de demanda para esta, mas, talvez um ponto de partida para o indivíduo entrar em contato com seus conteúdos internos (medos, angústias, indecisões, ansiedade, confusão mental e entre outros).
Por sua vez, o terapeuta do pronto atendimento necessita, além da disponibilidade interna, uma escuta seletiva e uma atitude ativa para formular a hipótese psicodinâmica que mobilizou o paciente a buscar ajuda naquele momento. No caso escuta seletiva não implica ausência de atenção flutuante, pelo contrário, significa realizar uma seleção do material trazido pelo paciente (Braier, 2000). Sendo assim o terapeuta, em um estado de atenção flutuante, interpretará o material “emergencial” do paciente.
Desta forma, o pronto atendimento pode possibilitar ao paciente algum insight, apoio psicológico, acolhimento emocional e/ou algum encaminhamento específico para o alívio da sua dor psíquica no momento da crise. Sendo que, em alguns casos, o atendimento psicológico na crise também pode ressignificar algo na trajetória de vida dessa pessoa.
Com os atendimentos realizados no P.A.P, observei que o terapeuta pode se permitir a sentir seu paciente, porém não é possível só senti-lo. Neste campo “movediço” (terapeuta e paciente), é preciso que o terapeuta saiba guiá-lo, dentro de si mesmo, e transformar esse sentimento em um instrumento capaz de ecoar um diálogo mais organizado, menos terrorífico e mais transmissível ao seu paciente. Acredito que, o terapeuta pode nomear aquilo que o paciente sente, sem ser invasivo, para que não ocorra um quadro confusional ou apenas uma empatia acolhedora na relação terapeuta e paciente.
Além do mais, cogito que, o encontro de si mesmo, na relação terapeuta e paciente, só é possível se for deixado dentro do outro um espaço de liberdade, onde é função do terapeuta facilitar e identificar a carga emocional trazida pela vivência de seu paciente.

Simon (1991) enfatiza em seu texto sobre Impotência Contra-transferêncial:
“…que tal fenômeno acusa um distúrbio emocional que afeta a percepção do analista, necessitando ser trabalhado pela auto análise (ou mais análise). Embora se o terapeuta puder discriminar entre o aparelho empático-intuitiva – no estado de atenção livremente flutuante – de reação contra-transferencial como sintoma de perturbação desse estado e das funções perceptivas correspondentes, talvez, seja possível aclarar certa confusão que reina nesse domínio e interfere na evolução da pesquisa psicanalítica.” (Ryad Simon, 1991, p.24)

O autor ainda conclui, que, quando tal discriminação não acontece o conhecimento acaba sendo sacrificado. Com essa crítica do professor Ryad Simon, entendo que é necessário muitas pesquisas no campo da Psicanálise, para que seja possível expandir sua teoria e técnica, em outras modalidades de atendimento como o “pronto atendimento psicológico” que mostra-se muito incipiente.
Para finalizar, o pronto atendimento psicológico, por si, torna-se terapêutico, pois propicia ao paciente uma clarificação de sua demanda interna no momento do pedido de ajuda. No atendimento, é necessário que o psicólogo de plantão permaneça em um estado de escuta seletiva e disponível, para uma vivência emocional desafiadora.

Referências Bibliográficas
FIORINI, H. J. (1981) – Teorias e técnicas de psicoterapias. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
FREUD (1910) – As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. In: Obras Completas de Sigmund Freud Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XI, p 143-156.
___________. (1912) – A dinâmica da transferência.In:__________________________. Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. XII, p 109-122.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS J. B. (1998) – Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p 384-386.
MOFFATT, A. (1934) – A crise. In: Terapia de crise. São Paulo: Cortez, p 13-17
SIMON, R. (1989) – Teoria da crise e prevenção específica. In: Psicoterapia clínica preventiva. São Paulo: EPU, 1989, p 57-66.
___________. (1991) – Impotência Contra-transferencial. In: Rev. Brasileira de Psicanálise. Vol. XXVI, (1-2), p 15-26.
___________. (1999) – Concordâncias e Divergências entre Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica. In: Jornal de Psicanálise. Vol. 32, (58-59), p 245 -264.
WINNICOTT, D.W. (1994) – O medo do colapso. In: Escola Britânia de Psicanálise. Porto Alegre: Arte Médicas, p. 128.

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